Por:
Raquel Medeiros
Para evitar atraso, chegamos uma hora mais cedo do que o combinado. Dinho Ouro Preto, líder da banda Capital Inicial, nos concederia entrevista na casa dele, em São Paulo. Atencioso, abriu a porta 15 minutos antes, ainda meio zonzo, com cabelo bagunçado e enormes óculos escuros. “Só não me peça para tirar os óculos, estou péssimo”, disse, explicando que havia passado a noite em claro, numa festa, bebendo com amigos.
Sentamos nas cadeiras embaixo do guarda-sol, no jardim de entrada, e ele começou a fazer alongamento. Com a cabeça abaixada, quase que tocando os pés, desculpou-se pelo fato de começar a entrevista naquela posição inusitada. “Não sei o que aconteceu ontem, mas hoje acordei com essa dor forte. Já vai fazer um ano, cara, e isso não passa”, reclama, referindo-se ao acidente em Patos de Minas, quando caiu do palco.
Apesar da noite maldormida e das incômodas dores, Dinho riu bastante relembrando os fatos da vida. O que era para ser somente 50 minutos – inicialmente combinados com a assessoria do cantor – virou uma hora e meia de conversa boa, que começou com o lançamento do CD Das Kapital, passou pela difícil recuperação do acidente, o amor pela família, drogas e a admiração excessiva pelo músico Renato Russo, morto em 1996.
CONTRA A MONOTONIA
“O Das Kapital foi feito de forma peculiar, porque tudo nele foi mais longo. Começamos a produzi-lo cerca de um ano e meio antes. Os ensaios – que o Capital não fazia há muitos anos – começaram três meses antes do meu acidente”, revela o músico.
Em nova fase, que Dinho intitula como “Capital 3”, garante que deixou o ar impositivo de lado para dar mais abertura à expressão do grupo. “Pela primeira vez, todo mundo participa. Antes o trabalho era visto quase que como imposição de minha parte, como se fosse ‘olha, essas foram as canções que escrevi’ e eles, não diria de má vontade, mas burocraticamente, faziam o trabalho.”
Um novo produtor também deu outro gás para esta etapa. “Queríamos vitalidade e energia dos shows que a gente nunca conseguiu captar.” Na tentativa de ser mais flexível, o líder do Capital Inicial abriu mão de escolher as músicas que seriam gravadas e deixou tudo a cargo do produtor. “Foi dado a ele carta branca. Meteu a mão nos arranjos e até na própria letra, se fosse preciso.”
Dinho afirma ter sentido dificuldade em deixar a liderança a cargo de outra pessoa, mas foi necessário abdicar do orgulho para atingir a meta. “O tempo de carreira me deu um pouco de monotonia. A coisa estava ficando burocrática, muito igual. Os anos estavam passando e a gente tratando as coisas quase como que se fossem uma pizzaria: faltava emoção, estava virando uma coisa sem paixão.”
O ACIDENTE
Quando estava para lançar o tão aguardado CD, Dinho caiu do palco durante show em Patos de Minas em 31 de outubro. “É curioso, porque acho que ninguém entendeu a gravidade do que aconteceu comigo. A gente ia levar as crianças para a Disney em janeiro e eu perguntei se podia ir. Os médicos disseram que sim, que ia me fazer bem andar. Sem chance, porque estou sentindo dor até agora”, reclama. Passou os primeiros dias na UTI, inconsciente. “A primeira semana se apagou da minha memória, não me lembro, tinha alucinações, nem sei que remédios me deram.”
Quando acordou, teve de decidir o futuro das gravações, mesmo sem condições para isso. “Eles me perguntaram ‘Dinho, o que a gente faz?’. Temos dois músicos muito competentes, formados em música, que tocam muito. Achei que o Robledo Silva, que faz o backing vocal, era perfeitamente capaz de fazer a vozguia para a gravação dos instrumentos. Se eu protelasse a gravação, os ensaios teriam ido para o espaço e o disco ia sair, com sorte, só no fim do ano. Íamos perder o ímpeto e me parecia a pior opção.”
Entre remédios e tratamentos, o músico participava como podia, com ajuda da tecnologia. ”Assisti à gravação de dentro do hospital, pelo laptop. Não vi tudo porque tomava muito analgésico e não me sentia bem o tempo todo, mas, quando eles acabavam uma canção, me mandavam para que visse como estava ficando.”
Dinho ficou cinco meses afastado. Teve de reaprender a fazer movimentos básicos, como andar, com extrema paciência. “O começo da reabilitação foi aqui, na sala e nesse gramado, e foi frustrante: não conseguia andar, era terrivelmente dolorido. Foi um negócio meio neurológico, houve uma pancada no meu cérebro, além das fraturas. O cérebro bateu no crânio e houve muita hemorragia.”
Mas o momento do acidente não foi de todo ruim, na avaliação do artista. Como num ritual de passagem, a forma de pensar mudou e o modo de trabalho, também. “O acidente favoreceu as letras, porque foram todas reescritas. Tive a oportunidade de melhorar não só a construção das frases, como fazer mudanças de rimas. Foi uma experiência muito intensa.”
CADÊ A GERAÇÃO NOVA DE ROCK?
Durante a entrevista, Dinho inverte o jogo e me pergunta: “O que você acha que é melhor: disco que é sucesso de crítica ou supermalfalado, mas que é bem vendido na praça?” Errou o chute. “Bem falado é melhor”, ele responde.“Não importa se não for bem vendido, porque, pelo menos, a gente fez um disco que surpreendeu”, explica.
A conversa sobre sucesso cai na nova geração do rock, que para ele não existe. “Aqueles que nos sucederam nos anos 1990 tinham qualidade. Havia os Raimundos, o Charlie Brown Jr, o Rappa, coisas excepcionais. Mas essa última geração não é formada por bandas de rock, eles são bandas pop. Cadê a geração nova de rock?”, polemiza.
Ele acredita que os bons músicos desta geração ainda não foram descobertos. A internet pode ser uma das causas. “Todas as bandas estão no You Tube e, com certeza, têm coisas maravilhosas por lá. O futuro do rock brasileiro talvez esteja lá dentro, mas é difícil conseguir pinçá-los, sacou?”
Segundo o vocalista do Capital Inicial, falta na atual cena do rock nacional mais preocupação com o conteúdo e menos com a imagem. “Era melhor na nossa época, em que a gente se vestia de jeans e camiseta, os videoclipes eram a coisa mais tosca do mundo, mas havia conteúdo. Hoje, os jovens são hedonistas, há obsessão pela fama. Estão preocupados com a roupa que usam. Querem passar atitude, mas, quando você lê o que estão dizendo, pensa ‘que porra é essa’?”.
Para o cantor, Pitty é exceção. “Me sinto tentado a dizer que o rock brasileiro agora está nas mãos das pessoas erradas. Mas existem exceções, como a Pitty, que é a salvação da lavoura, uma mulher excepcional, mas que já tem sete anos de carreira. Essa coisa que tem aparecido de dois anos para cá, e que as pessoas ficam tentando colocar como se fossem a nova geração do rock, eu acho que não é, e nem devem ser julgadas com tanta severidade.”
PIRATARIA
A pirataria também incomoda o líder do Capital Inicial, não apenas pela falta de retorno financeiro, mas pela perda cultural que implica. “No começo foi celebrada por todos, porque quebraria a hegemonia das gravadoras. Ledo engano. O que aconteceu é que a internet, por si só, não é suficiente para dar destaque a uma banda por ser um oceano de informações. Ela também quase provocou a quebra das gravadoras, que ficaram com muito menos dinheiro e agora só apostam nas bandas que têm certeza de que vão dar certo. O grande paradoxo é que algo que era celebrado por promover a diversidade e novos artistas, na minha opinião, promoveu o efeito contrário.”
DROGAS E ROCK'N ROLL
No meio do bate-papo no jardim, uma britadeira é colocada para funcionar na rua. Dinho sugere que entremos para continuar a entrevista com mais tranquilidade e me guia até o estúdio. O local onde o líder do Capital ganha inspiração e rascunha músicas da banda fica em uma edícula, nos fundos da casa.
As paredes do estúdio são forradas de imagens: obras de arte se misturam aos discos de ouro e outras premiações que recebeu ao longo da carreira. Um mural à direita acolhe documentos, fotos e desenhos dos filhos. No chão e nas prateleiras, diversos instrumentos. “Aqui não tem jeito, não bate sol, fica com cheiro de mofo”, desculpa-se. Comenta que o estúdio era frio. “Quer um casaco?”, pergunta, preocupado.
À esquerda, uma parede abriga dezenas de capas antigas com publicações sobre a banda. Talvez inspirados por essas imagens, o vocalista relembra as dificuldades do início da carreira. “Quando as bandas saíram de Brasília, todas foram para o Rio de Janeiro, menos nós, que achávamos que São Paulo era mais roqueiro. Tocávamos muito no Grande ABC, que sempre foi uma praça muito boa. Vivíamos em Santo André, no Aramaçan.”
A fama trouxe louros e espinhos. “Os tropeços aconteceram por arrogância, auto-indulgência, eu era muito garoto, gravei meu primeiro disco com 20 anos e fiquei embevecido pelo sucesso. É como o que dizem sobre o poder político, que corrompe a todos. No sucesso também é difícil manter os pés no chão.”
A falta de regras dificultou o percurso inicial da banda. “O Capital era muito improvisado: entrávamos no estúdio sem nenhuma canção, fazíamos tudo lá dentro. Era cocaína pra caramba, todo mundo bêbado e drogado, sacou?” Entre todos os enganos, resolveu seguir carreira solo. “Eu saí e fiz discos independentes com Dado Villalobos, que foram um desastre”, diz, cheio de autocrítica. O ano de 1997 foi o único em que não subiu ao palco. A grana ficou escassa e ele teve de aprender a lidar com o oposto do sucesso. “Você acaba sendo esquecido e acho que esta dificuldade me ajudou a entender o quanto tudo é efêmero e pode evaporar num piscar de olhos.”
QUERIA SER RENATO
“Eu tentava muitas vezes imitar o Renato (Russo): usar os termos que ele usava, falar dos assuntos que falava e cantar como cantava”, revela. A pressão de ter que ser igual ou melhor àquela geração de gênios como Herbert Viana e Renato Russo, entre outros, causava sensação ruim. “Chegava a um ponto em que era quase sufocante se ver envolto de tanta gente talentosa. Acho que todos os erros, em parte, talvez até tivessem ligados a isso, porque eu tinha crescido com ele e só pensei em tocar a partir do momento em que conheci o Renato Russo.”
A amizade entre os dois surgiu quando Dinho Ouro Preto tinha 16 anos. “Ele foi para mim imensa influência. Naquela época, já tinha escrito Que País é Esse?, Fátima e Veraneio Vascaína. Acho que fui o primeiro fã deles.”
Submersos no lema ‘faça você mesmo’, Dinho, Renato e outros roqueiros da chamada Turma da Colina – formada por várias bandas brasilienses da época, como Plebe Rude e a precursora Aborto Elétrico – mergulharam em uma quase necessidade de se tornarem independentes. “Quando adolescentes, éramos completamente subversivos. Achávamos que não precisávamos de roupa, porque nós mesmos fazíamos. As informações vinham dos fanzines, a música vinha das bandas. Até que a gente decidiu levar isso ao extremo. Fomos para Búzios e decidimos viver sem dinheiro, bebendo água da fonte e comendo tatuís da areia. A gente conseguiu viver uma semana fora desse mundo. Era muito louco, cara, uma viagem”, relembra.
Mas a independência, de fato, só veio quando ele se deu conta de que podia caminhar na carreira com as próprias pernas. “Precisei passar por um período sozinho para me livrar dos maneirismos, que eram tentativas de imitação do Renato, e cheguei à conclusão de que não era preciso fazer o que ele fazia para ter qualidade. Você tem vários caminhos e talvez tenha sido essa a grande sacada: não precisava ser igual a ele para soar bem.”
COM A GUITARRA DE LADO
Questionado como dá conta da família, Dinho expõe um dilema: o escasso tempo com sua mulher, Maria, e os filhos (Giulia, 13 anos, Isabel, 11, e Afonsinho, 7). “Eles se queixam, porque saio na quinta e só volto no domingo. Porém, durante a semana, fico em casa durante a tarde e acham que sou um brinquedo deles.” Neste momento, o roqueiro tira do bolso fotografias das crianças para mostrar. Digo que são lindos. “Eu também acho”, completa o pai-coruja.
O Dia do Pais, no entanto, não será comemorado. O vocalista explica que aprendeu a não celebrar certas datas com o pai. “Ele era comunista e muito anti-americano e anti-consumo. Só comemorava meu aniversário e, olhe lá, o Natal, porque ele também era ateu. Eu tinha poucos brinquedos e não podia ver televisão. Hoje, mimo meus filhos de uma forma que meu pai não fazia. E eu também via muito menos meu pai do que eles me vêem.”
O músico usa até a matemática para provar aos filhos que ter pai músico pode ser vantajoso. “O que eu falo é que, se contarem, verão que passam muito mais tempo comigo do que qualquer outro pai que chega em casa às 20h, não vê as crianças durante a semana ou só na hora de dormir. Eles me vêem a semana inteira, só não aos fins de semana. No começo, acho que não entendiam a vantagem, mas hoje percebem”, ensina.
Só que no dia da entrevista, o feitiço havia virado contra o feiticeiro. As crianças e a mulher haviam ido viajar sem ele. Foram passar as férias na Disney. Dinho reclama da casa vazia. “Logo depois que saíram, eu fiquei muito mal. Fico andando pela casa sozinho e, quando volto dos shows, estou só. Imagine para quem se habituou à casa com três crianças? Minha vida é assim: muito ocupada e eles são muito presentes. Uma casa com filhos é uma experiência e tanto.” E diz ter se admirado com o lado paizão que descobriu ter depois do nascimento dos rebentos. “Uma coisa que me surpreendeu foi o prazer que senti em ser pai. Por outro lado, acho que eles têm se apegado cada vez mais a mim. Foram para a Disney agora e foi uma choradeira.”
Para quem já conseguiu tanto na vida, os planos de futuro são repletos de simplicidade. Porque, por incrível que pareça, o ouvido do roqueiro também precisa de silêncio. “Eu brinco que o que eu quero fazer é me aposentar e ir morar no sítio. Faço o que faço há 26 anos e acho que já dei shows pra minha vida inteira.”
O fim do contrato com a gravadora Sony Music (que vence em seis anos) pode colocar marcha lenta na frenética carreira do músico. “Pretendo cumpri-lo, depois eu não sei. Penso em parar de dar show, mas não quero parar de gravar. Música é o que mais gosto de fazer na vida.”
Bom por hj é só!
Beeijos!
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